• Autor Cecilio Jorge de Mattos Borges
  • Ano 2023/2
  • Localização -22, -43
  • Resumo

    Este trabalho se inicia motivado por uma inquietação pessoal. Nascido e criado no bairro de Irajá, no subúrbio do Rio de Janeiro, vi meu bairro mudando ao longo do tempo. As paisagens que me são familiares, aos poucos foram se modificando, em escala, altura, fluxo. A construção de grandes condomínios habitacionais, somada à segregação de espaços públicos livres, foram aos poucos mudando o caráter do bairro. Estas mudanças não são restritas apenas a Irajá, mas podem ser percebidas em diversos bairros suburbanos do Rio de Janeiro, assim como em diversas metrópoles de caráter global. Dentro desse contexto, eu, enquanto indivíduo, me percebo como parte do processo. Me percebo como uma parte afetada, sofrendo algumas imposições feitas por agentes maiores do que eu, e que controlam a cidade espacialmente, e seu funcionamento. A especulação imobiliária afetou os entornos da casa da minha família, e, porque não, a própria casa. Perceber esta relação, entre o bairro, a casa e eu mesmo, enquanto indivíduo, foi essencial para despertar os questionamentos que busco visitar neste trabalho. A conformação da cidade sempre foi um tema latente em minha pesquisa pessoal, devido à inconformidade com as políticas públicas escassas e à falta de interesse em espaços públicos de qualidade por parte do Estado. Os incômodos já existiam em mim desde antes da graduação em arquitetura e urbanismo, enquanto era ‘apenas’ vivente e observador da cidade e da arquitetura. Durante a trajetória acadêmica, no entanto, passo a compreender ou pelo menos me atentar mais às dinâmicas que me foram/são postas. Atualmente, me pergunto e sigo buscando o entendimento de qual o meu lugar e papel dentro e através desse contexto urbano e intelectual. Me questiono como posso atuar enquanto construtor e transformador da cidade, agora que carrego esta responsabilidade que é o conhecimento. A fotografia nesse contexto aparece como um meio. Um instrumento de busca, investigação, que me permite observar o meio através do campo fotográfico. Para além da investigação, quando observo meus registros ao longo do tempo, também percebo a capacidade da fotografia de contar uma história, de criar uma narrativa que quer dizer algo. Quando se conta uma história, se constrói também um imaginário, e quando falamos de cidade, os imaginários urbanos são essenciais para a construção da mesma. É através da criação de imaginários e de narrativas que políticas públicas encontram embasamento e força social, ou não. Intermediado por uma câmera fotográfica, também me coloco na cidade como um corpo diferenciado. O corpo que observa e registra, que fotografa, caminha diferente. Seja pela sensação de insegurança que existe em se caminhar com uma câmera semiprofissional no Rio de Janeiro, e especificamente em Irajá. Seja pelo ângulo exato que gostaria de alcançar a partir desta ou daquela visada. Seja por escalar elementos para alcançar altura ou me abaixar para poder enxergar através, a fotografia me conectou com a cidade, me deixando mais atento e ativo. A janela do ônibus sempre foi meu frame mais frequentado. O movimento pendular que realizei de Irajá para as áreas Central e Zona Sul da cidade, através da Avenida Brasil, me fez e faz passar muito tempo dentro do ônibus. Nesse tempo, a janela do ônibus acabou se tornando o portal através do qual observei a cidade por mais tempo. E ver a cidade através da janela de um ônibus me permitiu me aproximar ou me distanciar das paisagens. Identificava pontos do meu trajeto, e percebia através deles o quão perto ou longe estava de casa. Os pontos que mais me chamam a atenção, até hoje inclusive, são de arquiteturas que fogem do padrão das construções consagradas. Arquiteturas que comumente não são abordadas no percurso acadêmico, construídas de forma autônoma pelos próprios moradores, são praticamente regra nas paisagens menos abastadas da Zona Norte, Zona Oeste e Baixada Fluminense. Fotografar as paisagens suburbanas segundo as perspectivas críticas comentadas acima, foi a premissa deste trabalho. Ao longo dos próximos capítulos, vamos transitar por alguns pontos marcantes destas paisagens ao longo da minha história e da história de Irajá e do Rio de Janeiro. Aqui a proposta é também buscar compreender as dinâmicas que induzem e definem as mudanças na paisagem e no território e os agentes responsáveis pelas mesmas, sempre através do filtro da fotografia. Estes temas e olhares são de suma importância para a construção de um debate na arquitetura e urbanismo contemporâneos, especialmente se tratando de um graduando que veio de um contexto e vivência suburbanos. A Cidade Alta do consumo e a Cidade Baixa da produção - com noções emprestadas de Milton Santos - não são mais tão fáceis de serem diferenciadas. Para além da construção topográfica, geográfica, do Rio de Janeiro, o consumo e a informação aumentam em escala, e se imprimem na paisagem e nos desejos dos habitantes da cidade. Se por um lado é essencial identificar as imposições da Cidade Alta na Cidade Baixa, o recurso da memória e do afeto aqui empregados são voltados para a construção desta Cidade Baixa, coletiva, comunitária, de muros baixos e festas de quintal. O produto final é uma coletânea fotográfica de memórias arquitetônicas suburbanas de Irajá, em suas raízes e contrastes, em consonância com memórias de minha própria história e de minha família. Esta coleção visa, como já citado acima, não apenas contar uma história, mas sim narrá-la a partir de um ponto de vista específico, e através dela, facilitar a construção deste imaginário suburbano para além do estereótipo e através dos afetos entre habitantes e cidade.


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