• Autor Lígia Daniela Alves Ferreira
  • Ano 2019/2
  • Tema(s)
  • Localização -22.905562, -43.226519
  • Resumo

    Após o incêndio no Museu Nacional no dia 2 de setembro de 2018, lugar este atravessado por múltiplos processos históricos e camadas de significado, surgem diversas demandas urgentes, técnicas, essenciais para a preservação da materialidade e específicas que o campo da arquitetura está tradicionalmente treinado a responder. Sendo a materialidade dos lugares de memória um de seus aspectos constituintes, sua preservação é fundamental. Ao mesmo tempo, no processo de decisão de como e o que preservar, caso seja realizado sem considerar os significantes do Museu Nacional e suas práticas sociais presentes, poderá ter como resultado o apagamento e silenciamento de outras narrativas ali presentes. Precisamente, o risco quanto a memória do Museu Nacional não é precisamente seu desaparecimento, mas a delimitação através de discursos, projetos e procedimentos técnicos de uma memória oficial (Nora, 1993), única, homogênea e acrítica.

    Buscando outros modos de pensar e produzir arquitetura, assume-se uma postura tradutora, permeando entre os campos da arquitetura e antropologia. Esta postura só pôde ser adotada através de um trabalho coletivo, que construo conjuntamente com o projeto de extensão “Renascer das Cinzas: memórias, histórias e trajetórias do Museu Nacional”.

    A partir de um interesse em comum e pelo fio condutor das narrativas de memória que o Museu Nacional carrega, este trabalho teve como objetivo a escuta e coleta de memórias sobre o museu, desenho de suas diferentes narrativas e montagem de seus aspectos essenciais disparados no processo. Uma coletânea que se propõe dialética pois, ao passo que se apresentam as diferentes narrativas de memória, deseja fazer surgir novas ligações e entendimentos sobre este lugar. Encontro na obra de Walter Benjamin a abordagem do trabalho, traçando paralelos entre sua teoria da história e uma proposta de rememoração crítica, composta por fragmentos de uma escrita ampliada.

    Considerando o Museu Nacional como atual lugar de disputa, se propôs uma cartografia de memórias, construída tanto com os participantes do projeto de extensão, como nas ações que realizo com o grupo, especificamente, nos eventos do Museu Nacional durante o ano, em uma escola parceira e em entrevistas individuais. Como produto final, apresenta-se dois volumes de livro: o primeiro com a investigação metodológica desenvolvida; o segundo, com as cartografias das memórias do MN se valendo do conceito de montagem que encontro na obra de Walter Benjamin, inscrevendo sentidos e sentimentos deste lugar por outras perspectivas, que disparam possibilidades de futuro para o museu.

    O museu, após o incêndio, “é matéria que ainda resfria”¹. O museu-ruína de hoje não será o mesmo daqui cinco ou dez anos, é um espaço em reconstrução, redescobrimento, e sua disputa se trava no presente. Ao mesmo tempo que doloroso, o processo também convida a estabelecer novos vínculos, olhar ao passado, velar os mortos, costurar feridas. É o ato de peneirar que procuro com a produção deste trabalho, antes que os ventos do progresso varram todas as cinzas.


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