• Autor Thabata Azevedo Quintaes Beraldini
  • Ano 2018/2
  • Localização -22.921944, -43.2295
  • Orientador Gustavo Poeys
  • Resumo

    Em levantamento realizado pelo Ipea e Conanda (2003), 86,7% das crianças e dos adolescentes em medida de abrigamento possuem família, com a qual a maioria mantém vínculos (58,2%). Nesses casos, o período de institucionalização varia entre dois e cinco anos para 32,9% dos abrigados. Assim, acreditar na aplicação da medida de abrigamento como situação temporária mostra-se errônea. Ressalva-se, no entanto, que não há parâmetros para estipular quantos dias, meses ou anos correspondem ao período longo de institucionalização. Mas essa dissertação julga que pela instabilidade emocional envolvida na medida de abrigamento, qualquer período de tempo pode ser longo. [...] O abrigamento tem que ter um programa, não é simplesmente um corredor de espera. O tempo pode ser curto, mas dois ou três meses na vida de uma criança ou de um adolescente é muito longo [...] imagine-se esperando, com a vida suspensa [...] quais os planos e os sonhos que você pode criar e realizar assim? Nenhum! [...] (DIRETORA, 20072 ). Como visto, as crianças e os adolescentes em medida de abrigamento recebem visitas, atenção e afeto de algum membro das suas famílias, mas esse, frequentemente, não possui condições financeiras e/ou psicológicas para retirá-los do abrigo e a medida, muitas vezes, é encarada pelos pais e/ou responsáveis como a alternativa mais segura para o crescimento sem privações, principalmente nos quesitos moradia e alimentação adequadas. O quadro nacional, indevidamente, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente. A medida de abrigamento, originalmente de caráter provisório e excepcional, torna-se longa e até mesmo permanente, pois alguns indivíduos permanecem institucionalizados toda a infância e adolescência. O caráter aparentemente provisório das decisões judiciais, o reflexo de políticas assistencialistas passadas, a escassez de recursos e a ausência de normas específicas que regulamentem o projeto de abrigos, em especial os de permanência continuada, fazem com que a maioria seja instalada em edificações adaptadas ao uso, não sendo exploradas as potencialidades do ambiente. Prioriza-se, basicamente, o atendimento emergencial (saúde e alimentação), 2 Diretora da INSTITUIÇÃO do estudo de caso em Entrevista não-estruturada concedida à pesquisadora em 10 jul. 2007, durante a primeira visita (Apêndice C). 16 produzindo, muitas vezes, ambientes que desconsideram o comportamento espacial (determinante para as trocas sociais) e aumentam a agressividade e outros tipos de estresses, agravados pela história de vida anterior das crianças e dos adolescentes. Justifica-se essa dissertação no fato que o abrigamento torna-se um momento crítico no universo do usuário. O abrigo de permanência continuada deve substituir os laços de parentesco e o cotidiano familiar. Porém, este não constitui o local ideal para o desenvolvimento psicológico, porque os efeitos da institucionalização prolongada interferem na sociabilidade. Ressalva-se que, em alguns casos, a institucionalização é a melhor alternativa, por exemplo, em razão do abandono dos pais e/ou responsáveis. Perante essa realidade, é necessário que haja instituições preparadas para atender às necessidades do público, com locais que proporcionem, principalmente, a convivência de um lar. Em quaisquer dos casos (institucionalização por curto ou longo período), as crianças e os adolescentes precisam interagir efetivamente com pessoas, objetos, símbolos, com um mundo interno e externo acolhedor. Assim, a avaliação da qualidade do ambiente de desenvolvimento dos abrigados é um tópico de investigação relevante para as políticas públicas. O entendimento da contradição existente entre a proteção integral (lar provisório) e os programas de recuperação, (re)socialização e (re)ingresso, de clara conotação reformatória, é fundamental para que a ambiência dos abrigos de permanência continuada tenha características de uma residência. Sejam “lugares para morar” e não educandários. O abrigo de permanência continuada tem a finalidade de resgatar o ambiente familiar, substituindo a família de origem e oferecendo a oportunidade de uma convivência afetiva, equilibrada e saudável, condições indispensáveis ao desenvolvimento pleno. Ainda, o ambiente em que se convive pode ser extremamente libertador, quando levadas em conta as diferentes competências e restrições da diversidade humana. A eliminação dos obstáculos reais – arquitetônicos - pode contribuir para a diminuição da barreira invisível: o preconceito com que são vistos as crianças e os adolescentes abrigados. No entanto, não há muitas pesquisas referentes à influência dos fatores ambientais no comportamento espacial de crianças e adolescentes em medida de abrigamento. A maior parte ocupa-se das instituições de reclusão para adolescentes infratores ou ainda, da análise psicológica da institucionalização. As referências bibliográficas ao alcance dos gestores dos abrigos e dos demais órgãos envolvidos nesse processo fazem menção às dimensões legais que devem ser atendidas pela instituição e às diferentes formas de lidar com o comportamento, os conflitos e os 17 traumas psicológicos das crianças e dos adolescentes abrigados. A carência de material que trace critérios e diretrizes de projeto arquitetônico, a partir dos parâmetros legal e psicossocial, procura ser suprida por essa dissertação. Ainda, nos abrigos de permanência continuada apenas o ECA e os Códigos de Obras municipais referentes à higiene e salubridade são os parâmetros a serem obrigatoriamente respeitados, sob pena do não funcionamento das instituições. No entanto, essas determinações são limitadas no tocante do desenvolvimento humano, principalmente o psicológico, e abrem um leque para várias interpretações. Assim, essa dissertação visa, através dos conhecimentos espaciais, complementar o artigo 923 do ECA, agregando critérios e diretrizes projetuais comprometidos com aspectos psicossociais, fundamentais para a promoção da qualidade de vida. Esses critérios e diretrizes projetuais pretendem contribuir para que haja a padronização de alguns aspectos que são fundamentais ao desenvolvimento de todo o ser humano, inclusive para as crianças e os adolescentes abrigados, que manifestam algumas particularidades comportamentais, frutos das mazelas sofridas anteriores ao abrigamento. A contribuição nos estudos acerca do tema torna a dissertação relevante, mas também, a forma de avaliação do ambiente físico auxilia estudantes e profissionais interessados na elaboração de projetos de abrigos de permanência continuada e locais similares. A dissertação utiliza instrumentos metodológicos tradicionais (observação e entrevistas), mas complementa a coleta de dados com a aplicação do Jogo de Imagens e Palavras, que facilita a coleta de informações de crianças e adolescentes em medida de abrigamento. Por acreditar que o projetista, em especial o arquiteto, deve ouvir e entender o usuário, seja para a elaboração de diretrizes projetuais ou de um projeto executivo, é que a sistematização dos procedimentos para a aplicação do Jogo visa permitir que outras pesquisas o utilizem, sempre que seja necessária a opinião de usuários de difícil acesso (e.g. crianças e idosos).


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