• Autor Hugo Pessoa Lopez
  • Ano 2017/2
  • Localização -22.997904, -43.357824
  • Resumo

    Prefácio Este trabalho se desenvolve por meio de uma narrativa. Então, a partir daqui - e até onde desejarmos - seremos nós dois conversando sobre o futuro de um programa de arquitetura: o shopping center. Procuraremos superfícies de contato em meio às nossas diferenças, que nos ajudem a pensar e ensaiar que possibilidades de uso os shopping centers e as grandes áreas que utilizam em sua infraestrutura terão daqui a algumas décadas. Aqui vamos falar sobre a potência da cidade; acreditando que essa forma de viver em sociedade pode surgir (se não existe) e florescer (caso abotoada) até mesmo no ambiente mais hostil. O título Barra da Tijuca Experimental: nas visões de um arquiteto cínico, malandro e hacker mostra três intervenções arquitetônicas nesse futuro, que são como um partido, um ponto inicial para pensar tanto um programa como a própria profissão. Essas intervenções expressam diferentes olhares do arquiteto não só sobre a ideia de cidade amanhã mas sobre o seu próprio papel profissional ao lidar com esses espaços. Cada perfil profissional e suas características trazem um cenário, com o arquiteto atuando no sistema do programa shopping center. Assim fazemos da arquitetura nossa fundação para construir o pensamento, onde lançamos um olhar que não se restringe a limites disciplinares e que procura se construir a partir de uma abordagem sensível da cidade. Para fazer esse experimento o terreno-laboratório é o BarraShopping, na Barra da Tijuca. Introdução O objetivo das três visões exploradas em Barra da Tijuca Experimental é se posicionar no meio do caminho, em uma zona entre. Não é, de maneira nenhuma, excluir ou calar outras temporalidades ou culturas mas procurar conversar, principalmente, com quem faz do consumo a sua representação de cidade. Além de também buscar construir um diálogo mais transversal e transdiciplinar com quem presta atenção na sua relação com o espaço e com o outro: dessas conversas talvez resultem uma sociedade diferente. Por isso, esse trabalho é um experimento onde se entende que a arquitetura também atua no jogo do mercado, e se procura aqui maneiras de entrar na lógica do shopping center e de seus frequentadores e ensaiar cenários atuais e futuros para as grandes áreas que ocupam, entendendo que nossas formas de viver cidade mudam tanto quanto nossas relações com a arquitetura, suas formas, seus usos e suas intenções iniciais. Cenários O shopping center não é um cenário no sentido cenográfico dessas interações dos indivíduos mas é entendido aqui como um processo material de culturas, temporalidades e espacialidades que são alvo de interesses e são continuamente imaginados, narrados, negociados e projetados pelas pessoas que o habitam, por aqueles que os constroem e os administram e pelas situações que alteram relações espaciais, políticas, econômicas, sociais, filosóficas, etc. Reinhold Martin, em “Crítica a quê? Rumo a um realismo utópico” lembra esse caráter de construção permanente inclusive do real quando resume: “O problema é com que realidades [como situações, condições] escolhemos lidar, e com que objetivo. Em outras palavras: qual seu projeto? O que também significa evitar o erro elementar de presumir que a realidade [novamente como situação, condição] seja inteiramente real - isto é, preexistente, fixa e portanto isenta de reimaginação crítica.” Reinhold Martin, “Crítica a quê? Rumo a um realismo utópico” Para narrar o amanhã do maior e talvez mais influente shopping center da Barra da Tijuca e do Rio de Janeiro, escolheu-se apresentar atores que em seus cenários atuam em níveis de intervenção no sistema shopping. Eles fazem seus projetos, procurando levar cada um dos cenários às suas - imagináveis - últimas consequências. Não se procura aqui uma ideia como garantia de futuro, mas pensa-se o projeto como meio para, em cenários com seus atores, imaginar um futuro que se sabe imaginação, sem compromisso com o desfecho mas com a contingência, do que é possível pensar para cada agora que se pare para olhar. Agora, podemos olhar para o BarraShopping e enunciar cenários e atitudes do arquiteto e, então, pensar em como eles podem ocorrer para um projeto experimental na Barra da Tijuca. 1 Cínico, o projetista: Esse cenário procura, de maneira provocativa, fazer pensar o que é um arquiteto ou uma arquitetura. O arquiteto quer evitar que essa estrutura seja encarada como um contêiner pois ela não procura ser fechada, total ou dominante, igual ao conforto máximo original de um shopping. Para ele, a replicabilidade da estrutura para outros shoppings não seria a forma ou o ícone, mas a própria estrutura junto às diretrizes, pois o que interessa não é a forma, mas o processo da mesma. Por isso, sua estrutura não é osso, não é fixa, ela é movente, contextual e pertinente. O arquiteto pensa em levar o que foi possível encontrar de condições de possibilidade de construção - ele usa materiais e técnicas disponíveis e usados pelos arquitetos de hoje - e tenta causar um desvio. Ele escolhe abordar o shopping center com uma visão cheia de tensões sobre a natureza desse espaço. Isso para tornar visível não uma ideia romântica ou nostálgica do que seria esse espaço privado se ele fosse espaço público. Mas uma subversão que pode existir quando tentamos jogar com o próprio sistema, propôr algo que vá problematizá-lo. Esse jogo é o jogo do tenso e do “entre” e a relação do arquiteto com estruturas de poder que viabilizam sua ação. Ele busca ampliar os olhares para os elementos que usa. Ele é como um arqueólogo, com ênfase na escavação do que é possível no presente e dessa maneira, acredita que tanto o passado como o futuro, fragmentos e ruínas, podem ser trazidos para dar novos sentidos. Escavando múltiplos tempos e os colidindo no seu projeto. Essa é sua maneira de querer levar este cenário até às suas últimas consequências. Ao mesmo tempo, ele sabe que sua estrutura será operada pelas condições do lugar em que se insere. As condições do lugar hoje são de sistema shopping, mas no futuro o próprio sistema shopping pode ser hackeado ou ampliado. Ou ainda dar lugar a outro modo de viver - já que o habitante é quem deseja e dá sentido. Ele não apenas projeta, faz arquitetura, que é primeiramente um ato crítico, um reflexo de quem a projeta, constrói e opera. Sendo sua habitação aberta à atuação de quem a possuir e/ou das lutas que podem acontecer - e o projetista aqui torce para que sejam várias e diversas - no seu espaço. 2 Malandro, o empreendedor: Em um cenário malandro, o arquiteto precisa saber atuar como empreendedor social. Ele se coloca como alguém que penetra a cidade e as tendências. Em um cenário desse tipo, o arquiteto-empreendedor precisa saber não desistir, saber que precisa tentar de novo em meio ao revés e aprender a aproveitar todas as oportunidades. Se colocar nesse cenário malandro pode ser, ser malandro e empreendedor com um pequeno ato, que pode desencadear consequências - mais ou menos - desejadas. Aqui esse pequeno ato é uma peça e suas propostas de uso. A peça procura não ser rígida mas não é aleatória. O objetivo é dar ao habitante um sistema flexível onde está mais atento às relações entre as partes do que um todo fechado. A retomada aqui da ideia do manual e do processo de montagem procura mostrar os caminhos entre a cabeça e a mão, entre o tempo das ações e entre a teoria e o experimento, a ideia e o concreto. Esse consumo sustentável atrai um tipo diferente de consumidor para o shopping center, e esse cenário sendo levado às últimas consequências é imaginado como a sua multiplicação por dentro do próprio shopping center. Essa difusão toma conta de mais e mais espaços e, por seu sucesso de vendas e atração, é capaz de fazer os administradores do shopping modificarem espaços para que essa tendência apenas cresça. Durante esse processo, o arquiteto-empreendedor sabe qualificar socialmente os metros quadrados, e a partir dessa qualificação ele tira máximo partido de uma tendência, essa que é a de um consumo alternativo aliado a outra maneira de lidar com os processos e as origens do que se consome. Em suas últimas consequências, essa tendência pode ser qualificada ou banalizada. Em uma potencialização dessa atitude, seria possível ver o shopping começar a se comportar como uma ecovila? A tendência de querer ser mais sustentável, levada às últimas consequências, pode gerar inúmeros cenários se for bem aproveitada. O mais importante é que, mesmo sem sabermos o futuro, é possível imaginar duas formas diferentes de viver forçadas pelo consumo a coexistirem: um pedaço de modo de vida sustentável e outro predatório. Assim, uma questão se coloca: uma parte do shopping voltada para um modo de vida sustentável e outra para um modo mais predatório - ou que pelo menos não pensa nestas questões. Ora, se ocorre essa coexistência, esse contato, essa relação, entre uma produção de cidade atenta às consequências do seu consumo e outra ainda alienada mesmo quando ambas as duas compartilham a mesma estrutura física, uma questão se coloca: é possível, no shopping center, haver pelo menos um diálogo, um convívio entre diferentes? 3 Hacker, o antropólogo: Dentro desse cenário hacker, há o arquiteto que agora atua com uma postura de antropólogo e estuda “o espaço como contexto das interações” e, de maneira contemporânea, está atento às sombras de qualquer ação, de inserção ou transformação que o shopping center desempenhe. O arquiteto-antropólogo procura mostrar aos indivíduos a fragilidade do shopping center e a potência do indíviduo como ator. Ele lembra que os indivíduos já ressignificaram uma estátua, a rua e o espaço coletivo e agora podem fazer isso novamente; porém agora mais aberto à alteridade. O arquiteto-antropólogo aposta que quando o indivíduo, que está no motorhome, plugar sua casa e visualizar seus amigos humanos dividindo o chão do estacionamento com os carros, quando olhar o grande logo do BarraShopping e o motivo do espaço que ocupa existir em função do que ocorre ali dentro; ele aposta que nesse momento se pode fazer um paralelo com o tempo de formação das cidades. O antigo templo onde o homem achava eco para suas aspirações de outra realidade e questões existenciais agora é um outro templo, onde sua aspiração e existência se representam em um sonho de consumo a alcançar e um medo a evitar. A praça, antigo lugar de reunião, agora é um estacionamento e está pensada para a escala de automóveis, e ele deve saber transitar segundo as regras desse espaço. E o antigo lugar de habitar, certeza de ter onde se abrigar, que ficava ao redor da praça ele agora o ocupa como hóspede - quase como um turista no mundo do automóvel. Esse cenário também traz a problematização do habitar de maneira mais provocativa. Diante de autores que chamam espaços de aeroportos, rodoviárias, supermercados, shopping centers e estacionamentos de “não-lugares” é preciso lembrar que as pessoas é que dão sentido a esses lugares. Esse cenário é sobre habitar o movimento, habitar a transitoriedade. Diante da própria instabilidade das condições que transitamos, o habitar também é um traço de resistência, é como um ato de rebeldia à efemeridade. E mostra a importância de entender que o habitar não está arraigado ao chão, como em uma propriedade de algum terreno, e não vinculado a um pertencimento mas em um modo de ser humano. Por isso, pode-se dizer que o estacionamento é um lugar e pode ser habitado, e receber nossos gestos, e até ali construir um mundo mais humano. Pois, ali fora, a perplexidade o interpela novamente. A ideia de ser nômade e local vem com a provocação de que, mesmo com a possibilidade de se estabelecer em diversos lugares (ou de se estabelecer uma maneira nômade de viver), se escolhe estacionar e aproveitar os serviçoes que se obtém localmente com o shopping center. E ele vive a ideia da liberdade estando “preso” ao conforto das facilidades locais. É, de fato, uma doce ilusão. Mas ao mesmo tempo, pode ser, como já foi dito aqui, uma outra maneira de fazer cidade. Esse também pode ser lugar de se construir uma experiência pública. Não há nenhum lugar que não possamos investir com nossos próprios gestos. Não temos cultura de motorhome e ainda somos muitos arraigados à propriedade privada (e os direitos que imaginamos ter garantidos por ela) porém maneiras alternativas de se viver estão crescendo. E o shopping center como grande influenciador não poderia se adiantar e ser suporte para tais ações futuras? Então talvez nessa outra cidade, que parece surgir dos lugares que damos sentido, que pode surgir de um lugar onde se atentou que nada é natural, podemos propor a diversidade. Isto é, evitar extremismos e pensar em modos alternativos de conviver. É possível que ao ocupar o espaço, outrora do carro, possamos pensar nas dominações aos quais somos submetidos e possamos pensar em procurar um meio de refletir e debater sobre isso. E talvez coexistir não só com o carro e o shopping, mas com os outros e assim construir algo mais parecido com uma cidade. Pode ser que essa forma de viver nos ajude a pensar e ensaiar que nossas formas de viver cidade mudaram e podem mudar. Caleidoscópio, o arquiteto Há uma ambiguidade na maneira que são construídos os títulos que organizam a apresentação das propostas do arquiteto, isto é, dentro de um cenário e com uma atuação. A ambiguidade se encontra no fato de que cada um deles é uma atitude que o arquiteto reconhece na lógica de funcionamento do shopping. Então, como arquiteto, procura falar na mesma linguagem, para ser compreendido. Além de, provocativamente, agir da mesma maneira e causar algum impacto com sua proposta. Por isso, “cínico” como atitude do shopping, que o arquiteto revida, porém com seu projeto, mostrando o lado “projetista” do arquiteto. Logo, ele mostra ao cenário cínico, que a lógica do shopping montou, seu lado cínico e projetista. O mesmo acontece com o “empreendedor”. Procurando se aproveitar de tendências e estimular outras, o shopping como malandro monta seu cenário, e o arquiteto age da mesma maneira, porém procurando intervir com seu lado empreendedor e também malandro. Por fim, como hacker, o shopping sabe como funcionam sistemas, e o arquiteto também precisa conhecer e saber entrar nesses sistemas. Então ele age como antropólogo, para saber lidar com espaços e pessoas. Por isso, o arquiteto, em todas suas ações, procura tratar os cenários (cínico, malandro e hacker) como fragmentos de um caleidoscópio. O arquiteto, com suas propostas, procura girar o caleidoscópio, fazendo colidir os fragmentos e assim formar novas configurações. Isso para poder lançar um outro olhar para aquilo que parecia dado. Imagine alguns motorhomes trazendo consigo a estrutura montada pelo arquiteto-projetista, que se encaixa com a expansão do shopping center. Porém, dessa vez as suas estruturas não conectam à matriz do shopping mas entre si, formando uma nova configuração. Quem sabe, dentro e fora dessa nova estrutura os habitantes decidem começar algo que se comporte com uma maneira de viver que se aproxima de uma ecovila, agora totalmente independente da matriz do shopping, já que ela é autossustentável. E nela eles têm sua cidade, onde seu motorhome ainda continua sendo sua casa e um dos seus meios de transporte. Sendo igualitário, exclusivo, consumista, sustentável, nômade e local; esse trabalho procurou deslocar conceitos, noções e interpretações dos espaços, das relações e dos sistemas que existem entre as pessoas, o shopping center, a Barra da Tijuca e o Rio de Janeiro. Esse trabalho quis mostrar que é importante que as antíteses congraçem, nos fazendo lançar outro olhar ao que parecia natural. Como repensar o espaço de compras e vendas, de comércio, de consumo superpotente? Como nossas cidades sobrevivem? É possível um espaço de consumo sustentável? E possível uma maior atenção à culturas e temporalidades nos nossos projetos? Surge uma outra cidade? O caleidoscópio que colide os cenários e seus atores faz uma última imagem para podermos parar, olhar, e pensar; para atentarmos às configurações que resultaram desse encontro. A partir de agora, o que vai ser dos shopping centers?


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