• Autor Natália da Cunha Cidade
  • Ano 2013/1
  • Resumo

    Definidos como acontecimentos súbitos, de origem natural, muitas vezes imprevisíveis, suscetíveis de provocarem vítimas e danos materiais avultados, as catástrofes ? ou desastres ? naturais afetam gravemente a segurança das pessoas, as condições de vida das populações, e tanto a estrutura socioeconômica quanto o meio-ambiente, fauna e flora de um determinado local. Em praticamente todos os locais do planeta terra existem fragilidades com as quais o pequeno e vulnerável ser humano e o ambiente que foi por ele construído não podem lutar. Temos que aceitar e adaptar-nos à este que é o nosso planeta-mãe. No entanto a falta de cuidado dos homens ao seu planeta vem reinando nos últimos séculos, e sua exploração devastadora e desrespeitosa numa busca ferrenha pelo acúmulo de capital vem causando danos imensuráveis por todos os cantos do mundo, e mais uma vez o maior prejudicado é o homem. A natureza responde à essa devastação, e nas últimas décadas vimos acrescer em muito a quantidade e variedade de respostas. O trabalho aqui desenvolvido apresenta-se no intuito de fazer alguns questionamentos em relação à como este problema é encarado pelo poder público no Brasil, levando em consideração seu minucioso destrinchamento em diversos setores que, apesar de parecer inerente à situação que funcionem harmonicamente, não o fazem. Quando ocorre um desastre natural, várias são as etapas dos momentos que o prosseguem. O período mais crítico é o primeiro mês após o incidente, momento em que ainda há desaparecidos, muitas pessoas perderam todos - ou quase todos - os seus bens materiais e afetivos, há problemas com contaminação do ar e da água e o local de ocorrência ainda está muito vulnerável. O quadro é completamente caótico - uma série de órgãos tendo de atuar juntos mas sem qualquer gerenciamento centralizado. Centralização é o que não há. Durante todo o ano a Defesa Civil faz um belo trabalho de mapeamento de áreas de risco, orientação às comunidades que moram nessas áreas, exercícios simulados. Já há um pensamento em relação às questões preventivas, há atuação no antes. O cerne da questão é o durante: se as ações preventivas não fazem efeito total (o que acontece em 100% das vezes), não há qualquer órgão que já tenha feito estudos de viabilidade nas áreas de risco, levando em consideração se a quantidade de locais que funcionarão como abrigos darão vazão ao público que ficaria desalojado naquela comunidade. Não há um tipo de infra-estrutura que possa adaptar esses espaços (que não tem função de abrigos, mas sim funções recreativas, religiosas ou educacionais) fornecendo um espaço de convivência digno para pessoas que estão completamente abaladas emocionalmente e sem qualquer suporte financeiro. Isso tudo acontece porque o Estado ainda não trata o problema das catástrofes naturais como sazonal: já existem programas de prevenção para que não aconteça, mas caso contrário não há qualquer programa de atuação emergencial com foco exclusivamente nisto, para minimizar danos afetivos aos desabrigados e financeiros ao Estado. E todo ano a tragédia se repete. A proposta que aqui se apresenta tem o intuito de pensar os equipamentos que servem como abrigos como estruturas polivalentes, que certamente terão outro uso em certa época do ano. Isso muda a compreensão de que os desastres naturais são eventuais; eles tornam-se sazonais. Para adaptar esses espaços à outro uso, estuda-se alternativas estruturais e de vedação, afim de dar individualidade às famílias, levando em consideração sobretudo o fator custo/durabilidade/reaproveitamento de cada material. Diversas foram as possibilidades estruturais que foram pensadas para dar corpo ao projeto, mas a que deu efetivamente foi o tubo de PVC ¾? roscável. Sua possibilidade de modulação em peças menores permite o armazenamento em um local mais compacto do que as tradicionais divisórias permitem. Sua leveza permite que as peças e o esqueleto em si seja montado por poucas pessoas. Os encaixes já existentes de tubos de PVC permitem a articulação entre as peças sem a necessidade de ferramentas ou de mão-de-obra não-especializada, possibilitando a montagem em aproximadamente uma hora. As divisórias, em nylon, fazem a vedação sem tirar a leveza do módulo, sendo também impermeáveis e de simples colocação. Todas essas vantagens do material adotado levaram à insistência no desenvolvimento de uma solução estrutural que não sai diretamente do papel para o espaço físico; ela nasce a partir dos erros vistos em sucessivas tentativas. O projeto não consiste unicamente no resultado, no objeto. O projeto é exatamente o processo, o processo de descoberta e exploração de um material que até então era impensável para tais finalidades. Concluindo, o espaço físico já bem consolidado do abrigo fixo, provido de uma estrutura rígida e instalações, mas que no entanto promove um espaço de desconforto e falta de privacidade aos seus usuários, casa com a leveza e efemeridade do módulo proposto. O módulo foi desenvolvido a partir de premissas que o limitam estruturalmente, tais quais a montagem em menos de 1 hora utilizando unicamente encaixes, uma mão de obra de montagem não especializada, e a leveza de seu corpo, que pesa menos de 20kg. Assim, aproveita-se o espaço físico do abrigo fixo, e integra-se à ele o projeto desenvolvido, que ganha vida à fim de tornar mais digna e acolhedora aos desabrigados esta que será sua casa durante algum tempo. O trecho abaixo do livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, define bem a situação com a qual estamos lidando. Todo esforço que possamos fazer para atenuar a situação é válido e muito bem-vindo. ?Tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembramos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir- nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo-nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando.?


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