Resumo
O presente trabalho considera o crescente aumento da população em situação de rua na cidade do Rio de Janeiro e se embasa na crítica às ineficientes políticas públicas de assistência e de habitação que abrangem essa população, desde as medidas mais temporárias, como os abrigos, até as mais definitivas, como o programa Minha Casa Minha Vida. É a partir dessas indagações que o projeto busca repensar os instrumentos políticos, econômicos e sociais do morar, propondo um modelo que melhor se adeque às necessidades dessa população. A proposta visa um modelo de moradia atrelado à serviços de assistência social e psicológica adequados às necessidades e singularidades de cada indivíduo, como instrumento de resgate e de inclusão, não sendo a moradia a última etapa do processo de saída das ruas, como no sistema tradicional, mas sim a primeira. Para tal, propõe-se a locação social como alternativa ao modelo vigente de aquisição da casa própria e como forma de assegurar a permanência dos moradores de rua a partir dos aluguéis total ou parcialmente subsidiados. O antagonismo entre o esvaziamento crescente dos edifícios em áreas centrais dotadas de infraestrutura e a concentração dos moradores de rua nessas áreas converge para a requalificação desse estoque imobiliário ocioso, garantindo assim a função social da propriedade, e na conversão de seu uso para habitação de interesse social. A escolha do local ocorreu com a definição do entorno da Candelária como área de intervenção pela simbologia e centralidade e com o intuito de resgatar a memória ligada à população em situação de rua. O embasamento do edifício escolhido, localizado entre a Avenida Presidente Vargas e a Avenida Primeiro de Março, se torna a extensão da rua, onde o público e o privado se misturam e se confundem. É ali onde as ações do habitar que os moradores de rua buscam acontecem. O comer, o tomar banho, o lavar as roupas, os escambos, o dormir são traduzidos no térreo, mezanino e em parte do segundo pavimento da forma mais livre possível, podendo ser apropriados de acordo com a individualidade de cada um. Ao longo do edifício, os usos institucionais e habitacionais se aproximam e se tocam, mas não se misturam. A partir de duas circulações verticais independentes e distintas, o programa pôde ser empilhado. Os espaços de acesso à informação, de assistência social e psicológica e de capacitação profissional se desenvolvem concomitantemente, mas independente às unidades habitacionais. Essas unidades consistem em uma experimentação, onde se desenvolveu diferentes tipologias que podem ser adequadas às necessidades de cada indivíduo e/ ou família. E é entre o público e o privado, entre o uso institucional e o habitacional, que surge um ponto de ligação e de provocação: uma estrutura metálica acoplada às empenas cegas da esquina do edifício que proporciona visibilidade a partir da liberdade de expressão do morador de rua como indivíduo e como coletivo. A ideia é de empregar os materiais comumentes e de mais fácil acesso utilizados por eles, se apropriando do simbolismo máximo de cada um desses elementos (papelão, lona plástica, cobertor...) para criar um local de acolhimento, de pertencimento e de resistência.
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